A
maior parte das gaivotas não se querem incomodar a aprender mais do que
os
rudimentos do voo, como ir da costa à comida e voltar (casa-emprego,
emprego-casa). Para a maior parte das
gaivotas, o que importa não é saber voar, mas comer, como de resto a
maior
parte dos seres humanos. Porém, para esta gaivota, o mais importante
não era comer, mas
sim voar, saber mais, conhecer mais 'alto'.
Mais
que tudo, Fernão Capelo Gaivota (o ser livre em nós) adorava voar. Mas,
como veio a descobrir, esta
maneira de pensar e de ser diferente não o fazia muito popular entre as
outras
aves, em especial os 'chefes do bando' que observavam desconfiados.
Até os próprios
pais se sentiam desanimados ao verem que Fernão passava os dias sozinho,
a
experimentar, a cogitar, fazendo centenas de voos...
Não
sabia porquê, mas, por exemplo, quando voava sobre a água a uma altitude
inferior ao comprimento das suas asas abertas, conseguia manter-se no ar
durante
mais tempo e com menos esforço. Os seus voos não acabavam com o habitual
mergulhar de patas abertas no mar, mas com um pousar leve, de patas bem
unidas
ao corpo. Quando começou a pousar em pé sobre a praia e depois a medir o
comprimento da aterragem, os pais ficaram deveras preocupados.
-Porquê?
Fernão,
porquê? - perguntava-lhe a
mãe - Por que não podes ser
como o resto
do bando?
Por que não deixas os
voos rasos para os pelicanos e para o albatroz?
Por que não comes? Filho, és só
penas e osso!
-Não
me importo de ser apenas ossos, mãe. Só quero saber aquilo que
consigo fazer no ar,
e o que não consigo,
mais nada.
Só quero saber.
-Ouve
lá, Fernão - disse-lhe o pai com bondade - O Inverno aproxima-se.
Haverá
poucos
barcos e o peixe das
superfícies irá
para zonas mais profundas. Essa história dos voos está
muito bem, mas sabes que
não te podes
alimentar só disso. Se tens mesmo de estudar, então
estuda a comida e a forma de a
conseguir.
Não te
esqueças que a razão por que voas é comer.
Fernão
baixou a cabeça, obediente. Durante os dias seguintes tentou
comportar-se como
todas as outras gaivotas, tentou mesmo a sério, disputando com o resto
do bando a comida dos
pontões e dos barcos de pesca, mergulhando para apanhar pedaços de
peixes e pão.
Mas não conseguiu.
"É
tão inútil", pensou, deixando cair deliberadamente uma anchova, que lhe
custara bastante a apanhar, aos pés de uma velha gaivota que o
perseguia.
"Poderia
ter passado todo este tempo a aprender a voar"...
E
há tanto para aprender!
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