quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

NAS ASAS DO PENSAMENTO






A maior parte das gaivotas não se querem incomodar a aprender mais do que os rudimentos do voo, como ir da costa à comida e voltar (casa-emprego, emprego-casa).  Para a maior parte das gaivotas, o que importa não é saber voar, mas comer, como de resto a maior parte dos seres humanos. Porém,  para esta gaivota, o mais importante não era comer, mas sim voar, saber mais, conhecer mais 'alto'.
      

Mais que tudo, Fernão Capelo Gaivota (o ser livre em nós) adorava voar.  Mas, como veio a descobrir, esta maneira de pensar e de ser diferente não o fazia muito popular entre as outras aves, em especial os 'chefes do bando'  que observavam desconfiados.  Até os próprios pais se sentiam desanimados ao verem que Fernão passava os dias sozinho, a experimentar, a cogitar, fazendo centenas de voos...
      

Não sabia porquê, mas, por exemplo, quando voava sobre a água a uma altitude inferior ao comprimento das suas asas abertas, conseguia manter-se no ar durante mais tempo e com menos esforço. Os seus voos não acabavam com o habitual mergulhar de patas abertas no mar, mas com um pousar leve, de patas bem unidas ao corpo. Quando começou a pousar em pé sobre a praia e depois a medir o comprimento da aterragem, os pais ficaram deveras preocupados.
      

 
                     -Porquê? Fernão, porquê? - perguntava-lhe a mãe - Por que não podes ser como o resto
                      do bando?  Por que não deixas os voos rasos para os pelicanos e para o albatroz?  
                       Por que não comes? Filho, és só penas e osso!
   

                    -Não me importo de ser apenas ossos, mãe. Só quero saber aquilo que consigo fazer no ar, 
                      e o que não consigo, mais nada.  Só quero saber. 


                    -Ouve lá, Fernão  - disse-lhe o pai com bondade -  O Inverno aproxima-se. Haverá poucos
                     barcos e o peixe das superfícies irá para zonas mais profundas. Essa história dos voos está 
                     muito bem, mas sabes que não te podes alimentar só disso. Se tens mesmo de estudar, então
                     estuda a comida e a forma de a conseguir. Não te esqueças que a razão por que voas é comer.
 


Fernão baixou a cabeça, obediente. Durante os dias seguintes tentou comportar-se como todas as outras gaivotas, tentou mesmo a sério, disputando com o resto do bando a comida dos pontões e dos barcos de pesca, mergulhando para apanhar pedaços de peixes e pão. Mas não conseguiu.


"É tão inútil", pensou, deixando cair deliberadamente uma anchova, que lhe custara bastante a apanhar, aos pés de uma velha gaivota que o perseguia.  "Poderia ter passado todo este tempo a aprender a voar"...


          E há tanto para aprender!               

                                  
                                                                 


                        Richard Bach,  Fernão Capelo Gaivota