sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Adeus



Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.


Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.


Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

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